Eden: It’s an Endless World! é um mangá de 18 volumes, publicado em 1997 na Afternoon (casa de Vinland Saga, Historie, Mushishi) da editora Kodansha. De autoria de Hiroki Endo, a obra foi pública no Brasil pela editora Panini em meio-tanko, mas acabou cancelada após o volume #23.
Estamos em um futuro não tão distante (algo por volta do ano 2100) e a humanidade está enfrentando a sua segunda “Peste Negra”: um vírus que enrijece a pele e derrete os órgãos internos, transformando as pessoas em cascos vazios surgiu e matou 15% da população mundial.
Neste cenário, Eden começa de fato contando a vida do jovem casal Ennoia e Hanna, uns dos primeiros a serem descobertos como imunes à epidemia, como eles lidam com isso e seus conflitos internos em relação ao destino incerto da humanidade. A história, no entanto se foca na 2ª geração, onde somos apresentados ao filho dos dois e também protagonista, Elijah. Um garoto inteligente, com conhecimento sobre o mundo em que vive, mas ainda muito ingênuo, ingenuidade que não vai durar muito, visto que entre guerrilhas armadas, mercenários, prostituição, tráfico de drogas e muita morte o jovem irá descobrir (junto do leitor) que o futuro não é tão brilhante assim.
O aspecto do mangá que mais chama atenção em uma primeira vista é a maturidade do enredo, o que na verdade é um pouco inesperado, uma vez que normalmente é algum aspecto artístico que mais se destaca aos olhos do leitor no começo. Em Eden não, estamos tratando aqui de uma obra adulta que irá expor temas polêmicos e o autor não alivia pra ninguém e define isso claramente nas primeiras páginas. Em menos de dois capítulos são discutidos ou mencionados temas como religião, homossexualidade, política, biologia e existencialismo… Algo bem no estilo “é pegar ou largar”.
Mas calma, se você não é do tipo que curte uma parede de texto à la Death Note, tudo bem que o mangá pode não ser de seu melhor agrado, mas pode acabar gostando também. Acontece que o que Eden tem de narrativa densa e longos diálogos, ele compensa com muita ação. Sério, para cada capítulo de explicações científicas tem outro capítulo de carros voando, metralhadoras atirando, robôs-mutantes (chamados “Aeons”) e combates de faca muito emocionantes! Chega a ter capítulos sem dialogo algum, de forma que o mangá pode agradar aos vários públicos.
Um dos maiores pontos positivos da obra é algo que acaba complementando o enredo maduro: uma história realista. Novamente algo que foge um pouco do padrão. Estamos falando de uma obra de ficção de científica, como algo assim pode ser realista? Como é que carros voadores, inteligência artificial, membros mecânicos e robôs-mutantes podem parecer verossímeis? De duas formas: pesquisa e personagens consistentes.
Vamos começar devagar, quando digo “pesquisa” não me refiro somente a toda base científica que é dada às muitas cenas que podem parecer “mágica” na obra, mas principalmente à pesquisa político-cultural que é aplicada no mangá. É muito claro que o autor revirou muitos livros de história antes colocar as informações na página. Hiroki Endo não queria desinformar o leitor; o mundo de Eden é um reflexo perfeito do que poderia ser o nosso futuro em termos políticos.
Logo nas primeiras páginas por exemplo, é mencionado o incidente no qual a UNPROFOR – Forças de Proteção da ONU, criada em 1992 durante a Guerra da Iuguslávia com o objetivo de realizar ações humanitárias, vigilância do cessar-fogo e proteção de civis – invadiu a Albânia. Isso nunca aconteceu! Mas calma! Isso não é desinformação, o que aconteceu foi a invasão de outros países como Croácia e Bósnia. O que acontece no mangá é uma visão pessimista sobre os conflitos étnico-sociais na região, chegando a envolver outros países do leste europeu. Outro exemplo ainda mais interessante é a formação de grupos armados pela luta de direitos e conquista de terras do povo Uigur. Isso também nunca tinha acontecido em 1997, os Uigures nunca tinham formado grandes grupos de revolta, eram mais pequenas manifestações pela luta de direitos humanos (nunca terras). Só em 2009 (muito depois do mangá terminar) que aconteceram as primeiras grandes revoltas deste povo. Presenciamos assim, mais do que uma previsão negativa do autor, uma previsão que se tornou realidade (digo, tirando os robôs-mutantes que matam vários Uigures). Isso dá uma sensação de veracidade para a obra, faz o leitor realmente pensar: “Poxa, o nosso futuro pode ser assim”.
Mas mesmo com todo esse gigante cenário global, várias vezes vejo Eden sendo categorizado como “Drama” e é então que entram os “personagens consistentes”, mais um fator que ajuda a aumentar a credibilidade realista da obra com o leitor. Conforme mencionado anteriormente, Elijah é o protagonista da história, isso é deixado bem claro. Logo nos primeiros capítulos já vemos sua interação nesse mundo pós-apocalíptico junto com seu robô Querubim. Umas das primeiras primeiras cenas é rápida, mas muito interessante. Nela temos o conflito no qual após matar um pássaro, Elijah encontra os filhotes que obviamente morrerão sem sua mãe, neste momento o personagem se confronta com três possibilidades: Matar os filhotes livrando-os da dor, deixá-los sozinhos e fingir que esquecer o que viu, ou criar os filhotes na sua base para se livrar um pouco da sua consciência pesada. Esse tipo de situação é interessante porque além de criar um aprofundamento ao protagonista, também o faz ficar muito mais próximo ao leitor. As perguntas que o Elijah se faz são perguntas que qualquer um faria no seu lugar e mesmo que as respostas não sejam as mesmas, conseguimos entender o raciocínio e nos projetamos no personagem condutor da história logo de começo.
Mais tarde, enquanto explora as ruínas de uma grande cidade deserta, Elijah é sequestrado por um interessante grupo de mercenários. Acontece que durante a passagem de tempo de uma geração para outra o seu pai Ennoia virou a grande cabeça por trás de todo o tráfico de drogas na América do Sul e, raptando o menino, o grupo composto por personagens muito carismáticos como Sophia, uma super hacker com o corpo completamente mecânico e Kenji, um quieto e tímido soldado (que rende as melhores cenas de ação no mangá), esperam poder passar entre países membros e não-membros da Gnostia sem problema nenhum.
Durante o sequestro nem tudo funciona como o esperado, muitas mortes ocorrem e descobrimos que a mãe e a irmã do protagonista também foram sequestradas, só que pela própria Gnostia. Nesse cenário Elijah, que antes era só um garoto mimado pelo seu pai mafioso, passa a enxergar a realidade do mundo em que vive e amadurece como pessoa, mas não é só por isso que as coisas vão ser mais fáceis para ele. Mesmo quando retorna para terras um pouco mais seguras ele é mal tratado, linchado e sofre todas as consequências de ser o filho do maior homem do crime organizado. Com todo esse sofrimento, o personagem amadurecido resolve tomar rumo na vida, decidindo que vai fazer de tudo para resgatar sua família.
Só de Bônus, acho que talvez alguns leitores mais atentos podem ter percebido a existência de vários termos relacionados ao Gnosticismo: “Eden”, “Aenos”, “Ennoia”, “Nomad”, “Hanna”, “Querubim”. Bom, acontece que muito da história é baseada em contos Gnósticos, alguns personagens chegam a realizar papéis análogos às das histórias que serviram de inspiraçãos. Só mais um extra, algo mais para ser explorado nessa incrível obra.
Enfim, em resumo acho que Eden: It’s an Endless World! pode ser considerado como um daqueles “um mangá para todos”: tem ação, romance, aventura, trama política… Sim, é uma obra adulta, tem bastante texto, mas se você estiver com disposição de ler ou mais do que somente ler, entender o mangá e a sua mensagem, tenho certeza que irá aprender muito com ele. Então dessa forma…
Eu recomendo sem restrições, Eden: It’s an Endless World!
Fonte: http://gyabbo.wordpress.com/
Última edição por Daniel Z em 27/05/12, 01:10 pm, editado 1 vez(es)